Carta ao Exmo. Senhor Bispo Carlos A. P. M. Azevedo
Assunto: A canonização de Nuno Álvares Pereira
Senhor bispo Carlos Azevedo:
Na sequência do artigo de opinião, ontem publicado na página 2 do Correio da Manhã, exclusivamente destinado a combater a Associação Ateísta Portuguesa (AAP), entende a Direcção da AAP prestar-lhe os seguintes esclarecimentos:
A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) contesta o artigo do senhor bispo Carlos Azevedo, com acusações cuja legitimidade respeita mas que francamente repudia.
Regozijamo-nos, naturalmente, com a consideração e respeito que o senhor bispo diz ter pelo ateísmo, afirmação surpreendente face à excomunhão papal, às perseguições da Igreja católica e à forma como V. Ex.ª se refere à AAP. Recordamos-lhe, a propósito, a peregrinação a Fátima de 13 de Maio de 2008, «contra o ateísmo» e a convicção do senhor patriarca José Policarpo: «Todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade».
Insólita num bispo católico, registamos a referência à «debilidade de todos os sinais da presença de Deus», numa arrojada manifestação de agnosticismo mitigado.
Mas o senhor bispo percebeu mal, ou deturpou, a posição da AAP em relação à canonização de Nuno Álvares e à lamentável cobertura que o Presidente da República, o Presidente da AR, membros do Governo e deputados deram à canonização, incompatível com um Estado laico onde é legítimo exaltar as virtudes do herói mas inaceitável rubricar os milagres de um santo.
Diz o senhor bispo Carlos Azevedo que «afirmar que Nuno Álvares Pereira foi canonizado graças a um milagre, que ridicularizam, é desonesto», como se fosse a Associação Ateísta a inventar o milagre, e não a Igreja católica, e como se o milagre não fosse condição sine qua non para a canonização. Que o senhor bispo se envergonhe do milagre obrado no olho esquerdo de D. Guilhermina, queimado com óleo fervente de fritar peixe, à custa de duas novenas e um ósculo numa imagem do Condestável, é um problema de fé.
O senhor Patriarca Policarpo preferia a canonização por decreto, como afirmou publicamente, à exigência de Bento XVI que, na opinião do teólogo Hans Küng, está a devolver a Igreja à Idade Média, mas quem manda é o antigo prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício).
Assim, ignorando os juízos de valor e os ataques do senhor bispo Carlos Azevedo, a AAP reitera o seguinte:
– O Estado laico é a condição essencial de uma democracia e, na opinião da AAP, fica irremediavelmente comprometido com a participação dos altos dignitários do Estado, em nome de Portugal, numa cerimónia de canonização, estabelecendo uma lamentável confusão entre as funções de Estado e os actos pios do foro individual, prestando-se ao reconhecimento estatal da superstição;
– A AAP entende que o prestígio do Condestável não se dilata com o alegado milagre e que, se deus existisse, podia mais facilmente ter evitado os salpicos de óleo que queimaram o olho esquerdo de D. Guilhermina, enquanto fritava peixe, do que ter de a curar para o beato virar santo;
– A AAP duvida da capacidade de um guerreiro morto, apesar de ilustre, para actuar como colírio e duvida de D. Guilhermina, que se lembrou de recorrer à intercessão de um herói, sem antecedentes no ramo dos milagres, em vez de procurar um oftalmologista, e
– Finalmente, a AAP repudia que a peregrinação a Roma se faça a expensas do Estado português.
Apresentando a V. Ex.ª os nossos cumprimentos, subscrevemo-nos,
AAP